Ybá Pytanga
Um
Foi grande o meu amor
Não sei o que me deu
Quem inventou fui eu
Fiz de você o Sol
Da noite primordial
E o mundo fora nós
Se resumia a tédio e pó
Quando em você tudo se complicou
Ator: Seus olhos eram um pecado. O cabelo cumprido e molhado por que sempre vinha da cachoeira. Era ali escondido no meio dos arvoredos que eu a espiava. Ela passava lenta como uma serpente a ermo na mata. Eu ainda escondido, olhava seus pés pequenos pisando nas folhas e se aproximando de uma pitangueira. Ela Erguia o braço e apanhava uma fruta, levava a boca e suavemente mordia. Quando a fruta era doce em seguida vinha um suspiro, os ombros subiam e os olhos fechavam. Era uma imagem macia que me causava suspiro também. Mas tinha vez que a fruta era azeda e ao invés de suspiros ela quase grunhia. O corpo parecia que dava xilique, trimilicava todo. Depois da comilança ela ia embora, longe sumia e eu teria que aguardar o dia seguinte pra vê-la de novo. Foi assim os primeiros anos da paixão. Eu, um moço que espiava e ela mulher que comia pitanga e passeava na mata. Eu guardava como segredo o que fazia. Quando voltava para a cidade, seguia com o trabalho, as festas e as artes da mocidade. Foi numa noite de quarta feira, na volta de um bar qualquer que minha vida se complicou. Encontrei um velho sujo, que jogado num canto enquanto eu passava dizia:
— Cuidado seu moço. A mulher é de mentira. É uma lembrança antiga que se guarda na mata.
Dois
Se você quer amar
Não basta um só amor
Não sei como explicar
Um só sempre é demais
Pra seres como nós
Sujeitos a jogar
As fichas todas de uma vez
Sem temer, naufragar
Ator: Uma índia proibida de amar um guerreiro. Já que ele se casaria com outra. Possuída pelo desejo ter o moço, entra na oca e rouba as asas sagradas do ritual de cerimônia. No dia que antecedia o casamento. Depois foge e se aloja numa floresta. Passa um tempo por lá, até que o cacique indignado com o ato ordena numa manhã que ateiem fogo na mata. Assim fizeram de modo que o fogo ardeu floresta abaixo durante todo o dia. Quando anoiteceu, para o espanto de todos, iluminada pelo luar no meio das cinzas ergue-se sem nada ter sofrido, uma pitangueira. Ao pé dela, a jovem morta. Mas sobre os galhos da árvore, a imagem de duas asas intactas, como as folhas e as pitangas que por milagre brilhavam como pequenas luas.
Três
Eu quero tudo que há
O mundo e seu amor
Não quero ter que optar
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar
Sem nexo e em qualquer lugar
Com seu sexo junto ao mar..
Ator: E hoje ela passeia e convida, nos escuros das matas e nos segredos das estórias. Mulher, Pitanga, Passado, Fogo, Futuro. O espírito da amante queimada na mata. Azeda, Pitanga.
Quero poder partir
Quero poder ficar
Poder fantasiar
Sem nexo e em qualquer lugar
Com seu sexo junto ao mar..
Dramaturgia de Vini Willyan, Música Três de Antônio Cícero e Marina Lima.
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